Reativação de hidrelétrica sem EIA/Rima pode comprometer reprodução de peixes na bacia do rio Paraná

Fonte:  Site da Alesp (https://www.al.sp.gov.br/)

A reativação de uma usina hidrelétrica centenária na cachoeira de Emas, distrito de Pirassununga, pode comprometer a reprodução dos peixes de couro de toda a bacia do rio Paraná, porque rio Mogi-Guaçu é um dos poucos afluentes que ainda permite a migração das espécies que sobem os rios para se reproduzirem próximo às nascentes.

Ainda que a obra pretendida pela Aratu Geração S.A. não altere a barragem já existente no local, que atrai visitantes e pescadores esportivos de toda a região, ao menos três fatores tem potencial de comprometer drasticamente a reprodução dos peixes migradores: a rampa de captação de água da antiga usina deixará de servir como meio para os peixes subirem o rio; o Poção, área mais profunda que serve de refúgio para as espécies de couro, deixará de existir, dando lugar para a construção da nova casa de força; e as modernas turbinas que serão instaladas atuarão como um triturador de ovos e larvas. Além disso, mais de 200 árvores da mata ciliar já estão sendo removidas.

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O tema foi abordado em audiência pública na Alesp em 27/3, em evento promovido por Carlos Giannazi (PSOL) a pedido do coletivo Curimbatá, que vem denunciado irregularidades na documentação de licenciamento ambiental.

Para mensurar a alteração provocada ao bioma por obras desse porte, o instrumento previsto pela legislação é o EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, respectivamente). Porém, a Cetesb vem autorizando o seguimento do projeto com base em uma documentação superficial, o chamado EIS (Estudo de Impacto Simplificado).

cacheoira de emas 2022 1Agrava a situação que o mesmo EIS, datado de 2007, com uma licença prévia de 2011, vem sendo usado para três projetos diferentes, como se a potencialidade de impacto fosse a mesma. O primeiro projeto pretendia reativar a casa de força Emas Nova, que está parada desde a década de 1980, o que possibilitaria a geração de 3 megawatts. Depois, seguiu-se outro projeto, no qual haveria o alteamento da barragem e a ampliação da área alagada, com a casa de força no local da Usina Velha, hoje transformada no Ecomuseu, com geração prevista de 10 megawatts. E finalmente o projeto cujas obras estão em curso, que em vez de altear a barragem, amplia a altura da coluna dágua com a construção da casa de força em nível mais baixo, ocupando a área do Poção. A previsão, neste caso, é que serão gerados 7,2 megawatts. “Tanto a localização quanto a concepção foram alteradas. Só isso já indica que haveria necessidade de uma nova licença prévia”, afirmou Marina Dela Libera, coletivo Curumbatá.

Mas ainda existe outro questionamento, que se trata da definição do órgão competente para expedir a licença. Como o impacto ambiental se estenderá por todo o rio Paraná, cuja bacia engloba também os Estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Paraná – além dos vizinhos Paraguai e Argentina -, a autorização teria de vir, obrigatoriamente, do órgão licenciador federal, o Ibama. “O rio Mogi-Guaçu tem 150 espécies, dessas, 14 estão incluídas no plano de ação nacional para preservar espécies em risco de extinção”, informou Eduardo Braga Fernandes, também membro do coletivo.

Alternativa

Para evitar “essa tragédia em andamento”, a proposta do coletivo Curimbatá, expressa por Virgílio Vettorazzo, seria uma postura verdadeiramente moderna e audaciosa, resumida na palavra reflorestamente, ou seja, uma mudança no jeito de pensar. “Nós estamos vendo a defesa de um modelo de negócio antiquado, que coloca o meio ambiente como inimigo do progresso”, disse, defendendo em seguida a instalação de um projeto realmente moderno, baseado em financiamento para a instalação de painéis fotovoltaicos em 15 mil residências no município.

Arquiteto e urbanista, representante do setorial de patrimônio e memória do Conselho de Cultura de Pirassununga, Atanagildo da Silva Júnior afirmou que o tombamento em nível municipal do prédio da Usina Velha (depois Ecomuseu) não foi sequer considerado, apesar de o plano diretor da cidade prever tombamento adicional de toda a área que se enxerga quando se chega ao sítio de Cachoeira. Também relatou a existência, amplamente documentada, de material antropológico ainda a ser descoberto na região.

Também se manifestaram contra a reativação da usina Antonio Carlos Pavone, da SOS Mogi das Cruzes, José Osvaldo, pesquisador do ICMBio, o jornalista Tobias Ferraz, que cobrou uma ação mais firme dos comitês de bacias, e o pedagogo Sílvio Monari, que ressaltou a importância da educação ambiental. “Quando nós olhamos para as águas do rio Mogi-Guaçu, nós não vemos matéria-prima para a geração de energia. Nós vemos uma fonte de vida em abundância”, ressaltou o educador.

A advogada Sílvia Thomé fez um resumo do cenário jurídico, neste momento em que foi derrubada a liminar que impedia o corte das árvores e a sequência das obras. Correm apensadas uma ação popular – movida pela advogada – e uma ação civil pública, à qual foi juntado um acordo firmado entre a empresa Aratu, a prefeitura e o Ministério Público, com a anuência da Cetesb, mas que ainda não foi homologado pelo juízo de primeira instância. Já na ação popular, Sílvia Thomé requereu a realização de uma perícia.

Helena Dutra, vice-presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo, atribuiu ao desmonte do sistema ambiental paulista a leniência da Cetesb, que aceita em 2023 estudos ambientais simplificados realizados em 2007. “O Estado de São Paulo promoveu ao longo dos últimos 28 anos um processo de esvaziamento das estruturas de participação pública em processo de licenciamento. O afastamento da ciência e o desmerecimento das instituições de pesquisa leva a situações como essas”, lamentou.

Outro lado

Representando os interesses da Aratu Geração, expuseram os pretensos lados positivos do empreendimento o diretor Ricardo Flores, o ex-vereador Valdir Rosa, a consultora Ione Novoa Jezler, o zootecnista Fabio Sucel, além de Paulo Arbex, presidente do conselho da AbraPCH, Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs). Os dois últimos, em seus depoimentos, insinuaram que os ambientalistas participantes da audiência teriam interesses ocultos naquele enfrentamento, sugerindo que seriam financiados pela indústria do petróleo – como se a alternativa às hidrelétricas fosse a ampliação do uso de combustíveis fósseis.

As acusações foram imediatamente e veementemente rechaçadas por Carlos Giannazi. “As pessoas que estão se manifestando contrariamente são pessoas credenciadas, pesquisadores, cientistas e ambientalistas. São pessoas que sempre militaram na defesa do meio ambiente, que dedicam suas vidas a essa causa. Elas não têm nenhum outro interesse a não ser a defesa ambiental da região. Coloco a mão no fogo por todas essas pessoas e eu não estaria aqui, abrindo espaço a quem tivesse outros interesses.”

Entre as ações políticas de Giannazi estará a apresentação de requerimento à Comissão de Meio Ambiente convocando representantes da Cetesb para que expliquem a autorização da usina com base em documentação precária e sem a consulta aos comitês de bacias. Já a deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL) está apresentando na Câmara dos Deputados um projeto de lei prevendo a proibição da instalação de novas hidrelétricas no rio Mogi-Guaçu, tal como fez em relação ao rio Pardo.

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